Formado
em jornalismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, escreve para a Folha
de S. Paulo no Blog Mural e já foi vencedor do prêmio Jovem Jornalista do
Instituto Vladmir Herzog. Em 2012 recebeu o prêmio de melhor TCC (categoria
livro-reportagem), concedido pelo Banco Itaú. Além de “Cidade do Paraíso”,
publicou “ABC da Educação”.
Com frequência,
jornalismo e literatura andam de mãos dadas. Desde “Os Sertões”, de Euclides da
Cunha, o livro-reportagem é marcado por uma controversa classificação: produto
jornalístico ou literário? O entrevistado é Vagner de Alencar, que lançou há
pouco o aclamado livro “Cidade do Paraíso – Há vida na maior favela de São
Paulo”. Com presença confirmada na Feira Internacional do Livro de Bueno Aires,
na qual a cidade de São Paulo será tema, Vagner contribuirá tanto na difusão do
cenário retratado na obra, quanto na produção do gênero no Brasil. Ele
conversou com o Facom News sobre a convergência entre jornalismo e literatura, esclarecendo
a relação escritor-jornalista.
Facom
News – “Os Sertões” é considerado o primeiro livro-reportagem brasileiro. Nele,
no entanto, é possível notar nuances artísticas que também o classificam como
literário. Em que ponto jornalismo e literatura convergem?
Vagner
de Alencar – O jornalismo é o ato de informar, narrar o real.
Quando a gente fala em literatura, normalmente a associamos à ficção. Hoje
falamos em jornalismo literário que é essa convergência entre ambos os gêneros.
Essa mistura entre o noticiar, porém com uma ‘ornamentação’ do texto, com uma
boa narrativa, mais profunda, capaz de dar ao leitor uma visão mais ampla do
acontecimento. E essa mistura de linguagens está presente nos
livros-reportagens, em revistas como Piauí e Brasileiros, por exemplo.
FN
– Jornalistas podem ser escritores? Já que não há obrigatoriedade do diploma de
jornalismo, escritores podem ser jornalistas?
VA
–
Jornalistas já são escritores, na verdade; escritores dos causos cotidianos,
esportivos, policialescos. A diferença é que são histórias picotadas: nos
jornais impressos e televisivos, no rádio ou em programas de tevê, geralmente
de curta duração (uma página do jornal, cinco minutos na tevê ou numa emissora
de rádio). Ao contrário do livro, que são muitas páginas. Com a perda da
obrigatoriedade do diploma, não só apenas escritores podem ser jornalistas,
como qualquer bom profissional: cientistas sociais, filósofos, psicólogos,
economistas, entre tantos outros profissionais, podem sim ser jornalistas. Se
formos reparar, há por aí muitos jornalistas que não cursaram a faculdade de
jornalismo. Na editoria de treinamento da Folha de S. Paulo, por exemplo, entre
os recrutados há dezenas de graduados em outras áreas.
FN
– Em qual dessas profissões você se vê?
VA
–
No meu caso, acredito que elas estão entranhadas, já que continuo escrevendo
matérias jornalistas como também textos não jornalísticos. Mas gosto de assumir
mais o posto de escritor de jornais. Acho que sou escritor pelo fato de ter
começado no mundo da escrita com crônicas e contos, das histórias cotidianas,
dos anônimos que, muitas vezes, não têm voz na mídia, que não me exigem as
técnicas necessárias para se escrever uma reportagem clássica com lides,
pirâmide invertida, fontes etc.
FN
– Livros-reportagem são comuns em TCCs, como foi o processo de produção?
VA
–
O “Cidade do Paraíso” nasceu pela minha indignação de como os grandes meios de
comunicação tratavam – e ainda tratam a periferia –, sempre sob o estereótipo
do tráfico e da violência. Como morador e estudante de jornalismo na época, eu
senti que era aquele o meu papel social. Desde 2010, sou um “correspondente” de
Paraisópolis, para blog Mural, da Folha de S. Paulo, que é formado por dezenas
de estudantes de jornalismo e jornalistas que vivem nas periferias de São
Paulo, e nasceu como uma forma de falar sobre o que acontece sobre suas regiões
sem estigmas. A partir desse trabalho, em que eu vi diversas histórias brotarem
a partir dessa cobertura, eu falei “Putz, é isso! Vou escrever um livro sobre a
minha favela; a maior favela de São Paulo”. Então resolvi garimpar outras
histórias e recuperar a maioria daquelas veiculadas no blog e dá-las mais
profundidade.
FN
– Como é ver seu trabalho da faculdade numa das principais livrarias do país?
VA
– Reconhecimento
é a palavra que define esse sentimento. Na verdade, não o Vagner de Alencar,
escritor, mas sentir que meu trabalho enquanto jornalista está tendo um
propósito. Mudar a imagem da periferia é esse objetivo. Contar tantas histórias
inspiradoras “escondidas” entre tantos becos e vielas e mostrar às pessoas que
esses pequenos labirintos são muito mais do que o esconderijo da venda de
drogas.
FN
– É um desafio trazer o livro como um produto jornalístico. Quem consome? Você
se deparou com outras barreiras? Se sim, quais?
VA
– No
caso do meu livro não vi tanta dificuldade. Como o tema teve e tem um grande
apelo, foi tranquilo nesse sentido. Acharia muito mais difícil escrever e até
mesmo publicar um romance, por exemplo. Cerca de 6% da população brasileira
vive em favelas, de acordo com o IBGE. São mais de mais de 11 milhões de
habitantes que vivem na periferia. Ou seja, é um assunto que atinge a toda a
população. Desde o morador que vive na favela e se sente marginalizado pela
televisão, até o vizinho rico que nunca pisou lá e quer conhecer esse “ingrato”
companheiro de região.
FN
– O jornalista é basicamente um contador de histórias. Por que o título de
escritor?
VA
– Um
jornalista é um escritor, não o deixa de ser. Mas a figura do escritor está
condicionada, normalmente, ao fato de você ter escrito e publicado um livro.
FN
– No seu livro você procurou adaptar a reportagem para um formato mais
literário. Por quê?
VA
– Pela
linguagem, que permite aprofundar mais as histórias. Explorar não apenas o fato
noticioso em si, ir para além do lide formado por “O que? Quem? Quando? Onde?
Como? Por quê?” e permitir com que o leitor imagine como é a respiração da
personagem, leia como ela se senta à mesa, como gesticula os braços, qual é o
seu jeito de falar. Dar essa subjetividade necessária para que o leitor se
sinta mais próximo a ela.
FN
– Por fim, como fazer para adquirir sua obra? E o que você tem a dizer para
quem pretende ler?
VA
–
O livro está à venda em livrarias físicas aqui de São Paulo, mas é possível
encontra-lo nas principais livrarias on-line. Para os leitores de Cidade do
Paraíso, a tônica do livro é seu subtítulo “Há vida na maior favela de São
Paulo”. Não quero mostrar “a vida”, mas “há”, do verbo haver, existe. Desvelar
às pessoas que nunca foram à favela por preconceito, que a vida pulsa ali, que
existem pessoas incríveis, com histórias impressionantes.