sábado, 31 de maio de 2014

"Muito mais difícil escrever e até mesmo publicar um romance"

Formado em jornalismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, escreve para a Folha de S. Paulo no Blog Mural e já foi vencedor do prêmio Jovem Jornalista do Instituto Vladmir Herzog. Em 2012 recebeu o prêmio de melhor TCC (categoria livro-reportagem), concedido pelo Banco Itaú. Além de “Cidade do Paraíso”, publicou “ABC da Educação”.

Com frequência, jornalismo e literatura andam de mãos dadas. Desde “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, o livro-reportagem é marcado por uma controversa classificação: produto jornalístico ou literário? O entrevistado é Vagner de Alencar, que lançou há pouco o aclamado livro “Cidade do Paraíso – Há vida na maior favela de São Paulo”. Com presença confirmada na Feira Internacional do Livro de Bueno Aires, na qual a cidade de São Paulo será tema, Vagner contribuirá tanto na difusão do cenário retratado na obra, quanto na produção do gênero no Brasil. Ele conversou com o Facom News sobre a convergência entre jornalismo e literatura, esclarecendo a relação escritor-jornalista.

Facom News – “Os Sertões” é considerado o primeiro livro-reportagem brasileiro. Nele, no entanto, é possível notar nuances artísticas que também o classificam como literário. Em que ponto jornalismo e literatura convergem?
Vagner de Alencar – O jornalismo é o ato de informar, narrar o real. Quando a gente fala em literatura, normalmente a associamos à ficção. Hoje falamos em jornalismo literário que é essa convergência entre ambos os gêneros. Essa mistura entre o noticiar, porém com uma ‘ornamentação’ do texto, com uma boa narrativa, mais profunda, capaz de dar ao leitor uma visão mais ampla do acontecimento. E essa mistura de linguagens está presente nos livros-reportagens, em revistas como Piauí e Brasileiros, por exemplo.

FN – Jornalistas podem ser escritores? Já que não há obrigatoriedade do diploma de jornalismo, escritores podem ser jornalistas?
VA – Jornalistas já são escritores, na verdade; escritores dos causos cotidianos, esportivos, policialescos. A diferença é que são histórias picotadas: nos jornais impressos e televisivos, no rádio ou em programas de tevê, geralmente de curta duração (uma página do jornal, cinco minutos na tevê ou numa emissora de rádio). Ao contrário do livro, que são muitas páginas. Com a perda da obrigatoriedade do diploma, não só apenas escritores podem ser jornalistas, como qualquer bom profissional: cientistas sociais, filósofos, psicólogos, economistas, entre tantos outros profissionais, podem sim ser jornalistas. Se formos reparar, há por aí muitos jornalistas que não cursaram a faculdade de jornalismo. Na editoria de treinamento da Folha de S. Paulo, por exemplo, entre os recrutados há dezenas de graduados em outras áreas.

FN – Em qual dessas profissões você se vê?
VA – No meu caso, acredito que elas estão entranhadas, já que continuo escrevendo matérias jornalistas como também textos não jornalísticos. Mas gosto de assumir mais o posto de escritor de jornais. Acho que sou escritor pelo fato de ter começado no mundo da escrita com crônicas e contos, das histórias cotidianas, dos anônimos que, muitas vezes, não têm voz na mídia, que não me exigem as técnicas necessárias para se escrever uma reportagem clássica com lides, pirâmide invertida, fontes etc.

FN – Livros-reportagem são comuns em TCCs, como foi o processo de produção?
VA – O “Cidade do Paraíso” nasceu pela minha indignação de como os grandes meios de comunicação tratavam – e ainda tratam a periferia –, sempre sob o estereótipo do tráfico e da violência. Como morador e estudante de jornalismo na época, eu senti que era aquele o meu papel social. Desde 2010, sou um “correspondente” de Paraisópolis, para blog Mural, da Folha de S. Paulo, que é formado por dezenas de estudantes de jornalismo e jornalistas que vivem nas periferias de São Paulo, e nasceu como uma forma de falar sobre o que acontece sobre suas regiões sem estigmas. A partir desse trabalho, em que eu vi diversas histórias brotarem a partir dessa cobertura, eu falei “Putz, é isso! Vou escrever um livro sobre a minha favela; a maior favela de São Paulo”. Então resolvi garimpar outras histórias e recuperar a maioria daquelas veiculadas no blog e dá-las mais profundidade.

FN – Como é ver seu trabalho da faculdade numa das principais livrarias do país?
VA – Reconhecimento é a palavra que define esse sentimento. Na verdade, não o Vagner de Alencar, escritor, mas sentir que meu trabalho enquanto jornalista está tendo um propósito. Mudar a imagem da periferia é esse objetivo. Contar tantas histórias inspiradoras “escondidas” entre tantos becos e vielas e mostrar às pessoas que esses pequenos labirintos são muito mais do que o esconderijo da venda de drogas.

FN – É um desafio trazer o livro como um produto jornalístico. Quem consome? Você se deparou com outras barreiras? Se sim, quais?
VA – No caso do meu livro não vi tanta dificuldade. Como o tema teve e tem um grande apelo, foi tranquilo nesse sentido. Acharia muito mais difícil escrever e até mesmo publicar um romance, por exemplo. Cerca de 6% da população brasileira vive em favelas, de acordo com o IBGE. São mais de mais de 11 milhões de habitantes que vivem na periferia. Ou seja, é um assunto que atinge a toda a população. Desde o morador que vive na favela e se sente marginalizado pela televisão, até o vizinho rico que nunca pisou lá e quer conhecer esse “ingrato” companheiro de região.

FN – O jornalista é basicamente um contador de histórias. Por que o título de escritor?
VA – Um jornalista é um escritor, não o deixa de ser. Mas a figura do escritor está condicionada, normalmente, ao fato de você ter escrito e publicado um livro.

FN – No seu livro você procurou adaptar a reportagem para um formato mais literário. Por quê?
VA – Pela linguagem, que permite aprofundar mais as histórias. Explorar não apenas o fato noticioso em si, ir para além do lide formado por “O que? Quem? Quando? Onde? Como? Por quê?” e permitir com que o leitor imagine como é a respiração da personagem, leia como ela se senta à mesa, como gesticula os braços, qual é o seu jeito de falar. Dar essa subjetividade necessária para que o leitor se sinta mais próximo a ela.

FN – Por fim, como fazer para adquirir sua obra? E o que você tem a dizer para quem pretende ler?
VA – O livro está à venda em livrarias físicas aqui de São Paulo, mas é possível encontra-lo nas principais livrarias on-line. Para os leitores de Cidade do Paraíso, a tônica do livro é seu subtítulo “Há vida na maior favela de São Paulo”. Não quero mostrar “a vida”, mas “há”, do verbo haver, existe. Desvelar às pessoas que nunca foram à favela por preconceito, que a vida pulsa ali, que existem pessoas incríveis, com histórias impressionantes. 

O menino maluquinho do jornal

Aos 12 anos dono do próprio jornal, primeiro editor-chefe do Facom News, vintão numa Tribuna da Bahia quarentona e fã do É O Tchan: um breve relato do histórico de êxito de Victor Pinto.

Num lugar não muito distante daqui, onde as mulheres desfilam elegantes com seus bobes nos cabelos e onde maestro Josevaldo ensina música a criancinhas, nasceu ele: Victor Pinto, o menino do jornal. Na quinta-série, enquanto seus coleguinhas brincavam de pega-pega e esconde-esconde, ele brincava de fazer jornal. O brinquedo chamava-se inicialmente Diário de Notícias. Hoje, com o nome de Correio do Mês, é um dos principais veículos de informação do município de Conceição do Coité.
Num nervosismo inicial, ele coça a cabeça e sorri desconcertado ao falar sobre si mesmo. “Victor Pinto é um menino que cresceu, hoje é um rapaz e que é apaixonado por comunicação, louco por comunicação, respira comunicação”. Sabe qual é a primeira coisa que esse rapaz faz ao acordar? Ligar o rádio ou o computador e ouvir/ver notícias. Workaholic assumido: “Eu gosto de trabalhar, é meu vício”, se entrega.
Deitada no sofá ao lado a amiga acrescenta que Victor tem alma de gente velha. Mas ele se explica: “Eu me considero uma pessoa muito responsável, eu sempre fui muito além da minha idade”. Sua vida é como a de Miranda Priestly de O Diabo Veste Prada, em que a rotina profissional lhe rouba o tempo da pessoal. A sorte é que ainda pode contar com amigos que o carregam pelo braço e não deixam que ele enlouqueça.
O menino do jornal cresceu e virou Victor do jornal.  E é esse que atualmente tenta segurar o tchan com a alta demanda de trabalhos. Coordenador de mídias na Fundação Dom Avelar (um jornal, três rádios e três sites), ainda tem que separar um tempo para a bolsa do Neojibá e correr para a Tribuna da Bahia, onde é repórter, para fechar as pautas de política.
E quem disse que acabou? Às sextas-feiras é monitor da matéria Temas Especiais em Radiojornalismo na Facom. Já passou pela assessoria do CREMEB, já foi estagiário do Política Livre e “louco, louco de pedra” entrou para a Record. Essa última experiência lhe acrescentou um vasto know-how televisivo, mas deixou sua rotina insana. “Agora é que eu comecei a ter uma vida de gente”, diz aliviado.
A sina da ação foi aprendida em Coité, a Facom apenas aprimorou o que já fazia. “Tem teoria que não serve para porra nenhuma, é igual à matemática que tem certos conteúdos que a gente não vai usar mais nada na vida”. Ele defende o estilo de ensino de Ziraldo – que outrora teve o deleite de entrevistar –, o modelo prático da Professora Muito Maluquinha: ler e escrever, somar, subtrair, multiplicar e dividir.
            “Minha filha, a minha turma foi a primeira do Facom News. Não tem aquele lema: Questione. Exclame. Discuta? Quem criou fui eu, fiz a primeira logomarca do Facom News! Eu fui também o primeiro editor-chefe!” , dizia assim com seus olhos demais arregalados. “Ah, Lia é maravilhosa, Lia é ótima!”, sobre associar teoria e prática.
            Para relaxar no meio dessa barafunda completa, só mesmo escutando É O Tchan, Novos Baianos, Caetano, Gil, Bethânia, Ivete, Banda de Boca. Com a cabeça vacilante e a boca cheia de dentes conta: “Tenho como referência baiana É O Tchan! É O Tchan é estourado, É O Tchan é minha paixão”. Ainda sobre música, ele diz que uma das melhores coisas que lhe aconteceu foi poder entrevistar o cantor Fagner. “Eu consegui, olha, uma luta, uma batalha e foi legal, ele falou da carreira, dos projetos”.       
            Segundo Victor, para o pau que nasce torto se endireitar, é necessário errar e aprender com isso. “A vida, se você pensa que ela é fácil de viver, sabe de nada, inocente. E quem quer ter uma vida [...] sem ganhar dinheiro fácil – que esse até o santo duvida – tem que ralar, ainda mais quando se é pobre, vindo de uma cidade do interior”, ao sentir na carne as nem tão doces mudanças advindas da escolha de morar na capital.